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PROTEÇÃO DO DENUNCIANTE: DO PEQUENO PASSO EM FRENTE ATÉ À META FINAL
há um ano
Foi promulgado, no dia 9 de dezembro de 2021, o regime geral de proteção de denunciantes de infrações (Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro), que transpõe a diretiva (EU) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da união.
Este regime (doravante RGPDI), que entrou em vigor em 18 de junho de 2022, tem por objetivo assegurar a proteção da pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente uma infração cometida, que esteja a ser cometida ou cujo cometimento se possa razoavelmente prever, em concreto relativamente às matérias específicas, dentro das quais se destacam, a contratação pública; serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo; segurança e conformidade dos produtos; segurança dos transportes; proteção do ambiente; saúde pública; proteção contra radiações e segurança nuclear; segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal; defesa do consumidor; proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação, bem como violação de regras de concorrência e de auxílios estatais. Considera-se também uma infração denunciável, para efeitos do presente diploma, a criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, bem como os crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira.
Ao abrigo da presente lei, considera-se um denunciante qualquer pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida. O artigo 5.º do RGPDI, enuncia que podem ser denunciantes:
Os trabalhadores do setor privado, social ou do setor público;
Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção;
Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;
Voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.
Aplica-se também a qualidade de denunciante:
Quando são denunciadas informações sobre violações, obtidas no decorrer de uma relação profissional, que, entretanto, haja cessado.
Quando a relação profissional, não haja ainda iniciado, tendo a informação sobre a denúncia sido obtida em fase de negociação pré-contratual.
Ademais, apenas beneficia da proteção conferida pela lei em apreço, o denunciante, que, de boa-fé, e tendo fundamento sério para crer que as informações são, no momento da denúncia ou da divulgação pública, verdadeiras, denuncie ou divulgue publicamente uma infração, nos termos determinados pelo diploma legal.
No âmbito da presente lei, deverão ser criados canais para denúncias em contexto profissional, canais estes que deverão, entre mais, assegurar, a confidencialidade e a possibilidade de as denúncias serem realizadas anonimamente, caso assim se pretenda.
Encontram-se obrigadas a constituir canal de denúncias:
as entidades privadas com 50 ou mais trabalhadores;
as empresas abrangidas pelo âmbito de aplicação da legislação relativa a serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, segurança dos transportes e proteção do ambiente, independentemente do número de trabalhadores; e,
as entidades públicas que empreguem 50 ou mais trabalhadores, com exceção das autarquias locais que tenham menos de 10.000 habitantes;
Define também a presente lei, que a apresentação de denúncias poderá ser efetuada, por escrito ou verbalmente, de forma anónima ou com identificação do denunciante. Assim, serão admitidas denúncias sob a forma escrita ou verbal.
Medida também postulada no presente diploma legal, é a proibição de retaliação contra o denunciante, sendo entendidos como atos de retaliação, qualquer ato ou omissão que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional e motivado por uma denúncia, possa causar ao denunciante, danos patrimoniais ou não patrimoniais, de modo injustificado. As ameaças ou tentativas são também consideradas como atos de retaliação.
Assim, o presente diploma inova, invertendo o ónus da prova, competindo às empresas ilidir tais presunções e provar que o ato praticado foi justificado e fundamentado e não motivado pela denúncia efetuada.
Ainda que a lei em apreço demonstre um passo na direção certa, no que toca à proteção dos denunciantes, ainda há muito a fazer no que concerne à matéria em questão, nomeadamente, estender a proteção conferida ao abrigo do presente regime às pessoas que denunciem ou divulguem crimes e irregularidades com base em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional (P.Ex. vítimas ou testemunhas de assédio sexual ou moral no local de trabalho).
Em última nota, será sempre de referir que nunca existem soluções perfeitas e, com isto em mente, serão sempre de louvar as diversas soluções inovadoras introduzidas pelo RGPDI no âmbito da proteção do denunciante, tais como a proibição de retaliação por parte da entidade empregadora e consequente inversão do ónus da prova, a qual confere ao denunciante uma maior segurança, aquando da efetivação da denuncia.
No reverso da moeda, encontra-se assente que muito fica ainda por fazer de forma a garantir que nenhum ilícito fique por denunciar, devendo o governo insistir em medidas que garantam a proteção de todos os que com fundamento e justificação, se cheguem à frente e denunciem práticas e infrações que ameacem não só o bem-estar e bom ambiente do local de trabalho, como o próprio ordenamento jurídico em que todos vivemos. Estender a proteção conferida pelo presente diploma a denunciantes de crimes e irregularidades com base em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, bem como introduzir a possibilidade de os denunciantes fazerem as suas denúncias diretamente às autoridades, são alguns dos exemplos, que poderão ser implementados, de forma a reforçar o impacto da lei em questão.
Bernardo Deville